Opinião: pressão turística ameaça autenticidade do Caminho
Rafael Sanchez Bargiela, historiador e antigo director do Xacobeo — o organismo público da Galiza que coordena o Ano Santo, gere a rede pública de albergues e supervisiona políticas para o Caminho de Santiago — alerta que a crescente pressão turística está a desvirtuar a experiência de peregrinação. Defende que a rota deve continuar assente na história, no património, na espiritualidade e na hospitalidade tradicional, incluindo os albergues de donativo, elementos que considera cada vez mais fragilizados.
A popularidade do Caminho Português, impulsionada sobretudo pelas ligações aéreas ao Porto, levou ao aumento de percursos de curta duração e à criação de variantes promovidas como históricas sem o serem. Bargiela identifica mudanças profundas no perfil dos peregrinos e critica a expansão de trajectos costeiros que, apesar de atractivos, não correspondem ao traçado documentado. O historiador sublinha que a preservação da rota depende de manter o itinerário certificado, evitando práticas que induzam em erro quem chega de outros continentes em busca de um percurso milenar.
Outro ponto que considera problemático é a falta de rigor na contabilização dos peregrinos que seguem pelo troço certificado da Costa em direcção a Tui, o que distorce a leitura real do percurso. Aponta ainda que interesses locais têm promovido caminhos sem fundamento histórico, o que fragiliza os processos de certificação e dificulta a conservação da rota original. Esta preocupação estende-se a Portugal, onde questiona a validade histórica de trajectos como o Caminho da Geira e o chamado Caminho de Torres, por não existirem registos que comprovem o seu uso ao longo dos séculos.
Durante os cinco anos em que dirigiu o Xacobeo, Bargiela impulsionou a uniformização da sinalética em toda a Galiza, conjugando a vieira com a seta, e pressionou as autoridades portuguesas para avançarem com a certificação das suas rotas. Já próximo da reforma, afirma que deseja voltar ao Caminho como peregrino, convencido de que a sua força reside na dimensão histórica e espiritual que não encontra paralelo noutro destino e que só se mantém se for preservado o sentido original da peregrinação.