História
de Mochilas

O dia 19 de Março de 2008 tinha acordado limpo e frio na cidade de Padrón. Era o último dia de jornada do Caminho Português para chegarmos ao Santiago mas desta vez não chovia como tinha acontecido nos dias anteriores. Como não tínhamos nada para comer saímos em jejum como já vinha sendo hábito.
Mesmo às quartas-feiras os cafés e os restaurantes em terras da Galiza, acordam tarde.
Passados 5,2 km chegamos à “Esclavitude” cheiinhos de fome mas felizmente frente ao Santuário existe o bar Anaga, que nos serviu de ancoradouro para tomamos um miserável e rápido pequeno-almoço (uns manhosos “bolicaos” e leite disfarçado com Nesquik).
À nossa chegada já estavam sentados uns peregrinos de Celorico de Basto, um homem com cerca de 65 anos e duas mulheres ligeiramente mais novas. Já os tínhamos visto à saída do albergue de Padrón onde tinham dormido.
Vinham há vários dias em peregrinação desde a sua terra. Eram figuras curiosas. Às costas levavam mochilas escolares, muito pequenas, que transportavam eventualmente pouca roupa interior, talvez água, talvez algum artigo de higiene pessoal – não havia espaço para mais.
Os três calçavam ténis velhos e sujos de lama, elas trajavam fatos de treino já coçados e ele calças de fato de treino, um velho de casaco de fato e um chapéu de chuva que trazia pendurado por detrás, na gola do casaco – artigo único para aquelas três almas em caso de chuvada.
Mesmo assim logo que acabaram de tomar o pequeno-almoço, estenderam-nos num guardanapo de papel o resto das fatias de pão caseiro que traziam consigo e uma boa quantidade de rodelas de chouriço aliviando definitivamente a carga das mochilas respectivas. Sorriram e partiram desejando-nos BOM CAMINHO.

Esta história verdadeira é para dizer que quanto a mochilas, roupas, botas e outros atavios, cada um de nós dita as suas regras e opina as suas ideias que são tão válidas e legítimas quanto as do peregrino que vai ao lado.
Não há soluções absolutas!
Há as dos que fazem o Caminho a pé, de bicicleta ou a cavalo; outros de Verão ou Inverno; há os que fazem 100 km e outros 800 km; há quem leve cosméticos ou medicamentos; bastões ou bordões; chapéus, bonés ou coisa nenhuma; alimentação liofilizada, fruta ou barritas; há quem leve garrafas de vinho do Porto, a bandeira portuguesa ou mesmo cantis de água; há quem leve máquinas fotográficas pequenas ou máquinas de filmar grandes; há quem leve colchões insufláveis, almofadas, resguardo interior; há que leve fotocópias do trajecto e outros grossos calhamaços que nunca lêem; há quem escreva longos testamentos com as impressões da viagem e outros que desabam de imediato a dormir; há os que levam chinelos de banhos enquanto outros andam descalços; há quem leve uma infinidade de mudas de roupa e outros que usam sempre a mesma; há quem não faça a barba nem corte as unhas; há quem leve papel higiénico e os que vão à sua sorte; há quem leve secador de cabelos e os que se limitam a secarem-se junto aos aquecimentos dos albergues num vai-vem do ”chega para lá que agora é a minha vez”; há quem leve IPod, rádio, telemóvel e ainda os que não levaram ou se esqueceram dos carregadores respectivos; há quem leve óculos escuros e claros; outros com poncho para o corpo e/ou para a mochila; há… tanta coisa!